Ainda a relação Bloco e Sá Fernandes  

"Foi-se, não volta mais"

Não adianta procurar a virgindade perdida debaixo da cama. É uma verdade universal e da política. Estranho que só o Bloco de Esquerda não saiba disto.

Há um ano, o Bloco de Esquerda fez um acordo na Câmara Municipal de Lisboa para possibilitar a colaboração entre António Costa e o vereador independente do BE José Sá Fernandes. Pessoalmente, acho que fizeram muito bem, mesmo tendo em conta que o PCP e a lista de Helena Roseta não quiseram entrar nesse acordo.

Um ano depois, o acordo existe. Para o BE, esta já não deveria ser uma questão de “se” nem “quando” perder a virgindade política. Foi-se. Não volta mais.

José Sá Fernandes nunca foi consensual; há neste momento gente a observar atentamente todos os seus movimentos e qualquer erro que ele cometa. Talvez fosse aconselhável o BE distanciar-se dele? Não, não é.

Em primeiro lugar, José Sá Fernandes é um independente. Enquanto o Bloco de Esquerda constituía a sua personalidade, foi importante para demonstrar abertura e capacidade de diálogo com que se distinguisse o novo partido, por exemplo, do PCP. Pois bem: quem fica com os cómodos leva os incómodos. Se o BE se afastar de Sá Fernandes, será legítima a pergunta: os independentes só lhe interessariam enquanto não traziam problemas, ou não são verdadeiramente independentes?

Claro que, neste momento, é Sá Fernandes quem transporta o ónus de uma câmara municipal em que a única grande notícia é que acabou o caos e a corrupção anterior. Isso nunca basta e ainda bem; as pessoas querem ver a sua cidade a progredir. Para quem tenha tentações maquiavélicas, dir-se-ia que é Sá Fernandes quem tem mais a perder com uma ruptura. Errado. Um segundo depois de acontecer, o BE seria denunciado como calculista, e com razão.

Mas parece que o PCP e especialmente Helena Roseta têm uma vida mais sorridente na oposição. Bom para eles; e bom para nós todos, se a oposição for bem feita. Mas ambos já perderam a virgindade política há muito tempo e o PCP até governou Lisboa durante uma década com o PS. O presidente da câmara dessa época, Jorge Sampaio, até foi candidato a primeiro-ministro pelo PS. E daí? O PCP encolhia os ombros e dava a resposta certa: estava a trabalhar para Lisboa e os lisboetas.

As pessoas podem respeitar um partido por estar na oposição; as pessoas podem respeitar um partido por estar no poder. Podem respeitar um partido que está no poder numa cidade e na oposição no país - que dificuldade há em entender isso? Mas nunca respeitarão um partido que está no poder como se estivesse na oposição. Num momento dirão, é certo, que Sá Fernandes não passa de uma muleta do PS em Lisboa; caso o BE sucumbisse a esse canto da sereia, no momento seguinte diriam que uma ruptura foi pura irresponsabilidade e desrespeito por um compromisso.

Estas são apenas as razões negativas, assim alinhadas de forma um tanto cínica, para confrontar quem ande à procura da virgindade debaixo da cama. Mas há também razões positivas para não o fazer.

Ou melhor, é uma só, mas bem grande: governar, ainda que sectorialmente, uma cidade e poder experimentar as suas ideias é uma das coisas melhores que um partido pode fazer. Aproveitem enquanto dura. Vão ver que até se divertem.

de Rui Tavares - Público e cinco dias (com a devida vénia)

(um artigo que subscrevo como não podia deixar de ser)


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