A ruptura democrática de esquerda.
Há uns dias na Madeira, Jerónimo de Sousa produziu uma declaração (proposta?) surpreendente, vinda de quem veio. Sou insuspeito. Há largos anos que defendo a “ruptura democrática de esquerda” de que fala Jerónimo de Sousa. Aliás, o meu retorno à política partidária com o Bloco, depois de muitos anos de afastamento, foi com o pensamento voltado para uma convergência das esquerdas.
Mas tenho sérias razões para duvidar da bondade desta proposta. O PCP tem uma cultura de controlo e de vanguarda nos movimentos sociais e sindicais que impedem qualquer unidade na diferença. Para não ir muito longe, lembremos-nos do congresso da CGTP de há um mês atrás que reforçou o controlo do PCP e afastou sindicalistas de outras correntes de esquerda, apesar das críticas de muitos dirigentes sindicais, defendendo um alargamento da representatividade. Não me parece ser uma declaração para levar a sério, com muita pena minha. O PCP está mais a jogar no terreno da táctica política, procurando retirar proveito partidário, da contestação e do descontentamento, às medidas do governo de Sócrates, do que verdadeiramente interessado em romper com a "situação".
Uma política de unidade na diferença exige humildade, responsabilidade, “desapego” ideológico, consensos, mestria, inteligência, face à complexidade de opiniões, de interesses, de responsabilidades, que a cada momento há que dar respostas, em nome dos grandes princípios da esquerda; um estado e uma justiça social.
A esquerda unida que defendo vai mais longe: a capacidade de colocar em causa ideias feitas, verdades inquestionáveis, capaz de arquitectar um modelo orgânico e de intervenção que case todas as esquerdas, em volta de princípios e de máximos denominadores comuns e de valores intransferíveis da esquerda.
Um programa e uma estrutura destas seriam, naturalmente, pela amplitude e pluralidade, de tipo reformista mas de uma ruptura profunda com os modelos de desenvolvimento capitalista e nesse pressuposto assumir-se definitivamente como uma alternativa séria, respeitável e credível.
Dir-me-ão, que um programa destes é impossível; que arrasta oportunismos, protagonismos, aproveitamentos carreiristas. É verdade. Mas todos os projectos políticos arrastariam essas dificuldades. Está na natureza das pessoas. E quanto mais aberto e plural for o projecto mais dificuldades suportará. Mas esse é o risco que todos teremos de correr se quisermos, de facto e não nas palavras, construir uma alternativa séria de esquerda, de poder, capaz de defender os direitos sociais, os serviços universais, lutar por uma sociedade melhor, mais justa, mais solidária, mais igual e mais digna.
Mas há sempre as outras alternativas: continuar acantonados nas nossas “certezas” ideológicas, nas nossas ortodoxias, mas de uma coisa podemos ter a certeza; é que de vitória em vitória ou de derrota em derrota, conforma os ângulos ideológicos, caminharemos para a derrota final. E quem sofre hoje que se lixe…
O caminho de unidade das esquerdas não é uma utopia. Há que fazer experiências. As pessoas verdadeiramente de esquerda exigem que se não fiquem pelas palavras, depois de apelos idênticos, vindos do Bloco, dos Renovadores, de muitos militantes socialistas, na órbita de Manuel Alegre.
18 de março de 2008 às 20:59
A frase de Jerónimo foi para a comunicação social e nós comentar-mos. Infelizmente o PCP não está disposto a isso, para além da órbita da CDU.
O Bloco tem vindo a "abrir-se" com muita crítica interna. É a única saída para a crise Socrática.
19 de março de 2008 às 05:40
Caro Fernando
Como é do seu conhecimento as minhas ideias são de direita, mas nada me impede de discutir com outros as ideias válidas para que este País consiga andar para a frente.
Estou tão à vontade para falar disto na medida em que dentro do PSD já me chamaram de " comuna " e puseram-me na rua da sua sede.
Esta uma das razões do meu apego à direita.
Como é sabido o PCP/CDU e tudo que gira na sua órbita só serve se devidamente enquadrado no seu espírito. Hoje não vejo o BE a integrar esta área, porque se o fizer está a condenar-se a si e a todos os que acreditam no vosso projecto.
Não é para mim e na minha modesta opinião viável por agora, mas poderá sê-lo daqui a uns anos, em conjunto com uma nova esquerda que já se faz sentir.
Hoje (ontem) por exemplo gostei de ouvir a intervenção que a vossa deputada ANA DRAGO fez no Parlamento em relação à Saúde. Estou inteiramente de acordo com ela. Não sei se num aliança com o PCP/CDU a teriam deixado fazer.
Realmente está na natureza do ser humano a tendência para o oportunismo no pior sentido da palavra. Os afilhados apegam-se aos padrinhos para ver se arranjam um tacho. Sempre foi e sempre será assim. Mas atenção quer seja da direita, da esquerda ou do centro.
Porque tudo, mas tudo no mundo gira à volta dos interesses pessoais. Infelizmente esta é a realidade que com este Governo se faz sentir cada vez mais.