O NÃO à despenalização do aborto vai ganhar …perdendo? Não deve!  

Para se ganhar umas eleições, em regra, é preciso ter a maioria dos votos. Diz-se a propósito, por um voto se ganha por um voto se perde. Mas nem é sempre assim. Há situações que exigem mais do que ter a maioria dos votos. No parlamento nacional, por exemplo, certas iniciativas legislativas, requerem, para serem aprovadas, os votos favoráveis de 2/3 ou 4/5 dos deputados. Já no caso dos referendos é exigido uma participação superior a 50 por cento. São aquilo que vulgarmente se designa por maiorias qualificadas.

A regra do referendo, penso ter mais desvantagens que benefícios. É verdade que a exigência de uma maioria de participantes, fortalece o significado da alteração. Mas por outro lado, cuida desigualmente as partes em confronto, favorecendo o “status quo” em detrimento da mudança.

Vejamos o caso do referendo sobre o aborto, segundo este entendimento:

O NÃO para “ganhar” não precisa ter mais votos que o SIM, nem precisa ter uma maioria de participação superior a 50 por cento. Bastará que a participação no referendo seja inferior a 50 por cento. Já o SIM precisa não só de ter a maioria de votos, como uma participação superior a 50 por cento.

Uma desigualdade evidente. O NÃO ganha de três maneiras possíveis. Ganha se a abstenção for superior a 50 por cento; ganha se o SIM tiver mais votos, mas não conseguir 50% de participação, ganha se tiver maior número de votos, independentemente da participação.

Esta situação não é justa e não me parece defensável, não obstante estar a ganhar força a ideia (já acolhida pelo PS e PSD) de que se o SIM ganhar sem a participação maioritária, o parlamento não deve mexer na lei.

Como já exprimi noutros artigos não concordo com esta interpretação da regra do referendo. A Instituição do referendo propôs-se dar força, representatividade e participação cívica, em determinadas matérias, menos consensuais.

Por isso tenho-me batido que se o referendo não for, após duas consultas, vinculativo, significará que a maioria do povo português, optou por transferir para os deputados do País a responsabilidade da decisão.

Parece-me ser esta é a única posição coerente com o espírito da lei, caso contrário seria desajustada nos seus propósitos; apelativa da participação cívica, da discussão livre, profunda e esclarecedora e da responsabilidade cidadã.

Não sendo assim, quem pretende manter a situação, basta-lhe não comparecer. Não comparecer ao debate, não comparecer à votação, fazer uma campanha pela negativa, ganhar na secretaria.

A ser como se ouve e lê o Instituto do referendo deixa de fazer sentido. Para isso seria preferível acabar com o carácter vinculativo, valendo a maioria simples dos eleitores ou mantendo o vinculo, fazendo descer a obrigatoriedade da participação, aí para os 30 por cento.

(publicado em Janeiro 4, 2007)