As mulheres não são criminosas. É preciso mudar a lei. Para despenalizar, para descriminalizar, para acabar com o aborto clandestino
DOs deputados do Não nunca apresentaram na Assembleia da República, antes e depois do primeiro referendo, qualquer proposta para a despenalização das mulheres. Os deputados do Não, é preciso lembrar, votaram a favor de um referendo para os portugueses nos termos em que é pergunta é feita, para afirmarem se pretendem ou não despenalizar a interrupção da gravidez até às 10 semanas se realizada num estabelecimento de saúde autorizado e por opção da mulher. Estes sãos os factos.
Quando pessoas com responsabilidades, como Marques Mendes ou Marcelo Rebelo de Sousa, (que aprovaram a pergunta – a mesma do primeiro referendo) dizem agora que a pergunta é enganosa e pouco claro, estão a mentir, a gozar com a nossa inteligência e memória, é um sinal de má-fé e de intrujice rasteira.
Num primeiro tempo os defensores do Não, pretenderam levar o debate, para a “ defesa “ da vida, mas confrontavam-se com as suas próprias contradições; é que a “defesa” da vida, não se compadecia com discriminações selectivas. A “defesa” da vida, nesse contexto, não poderia, permitir o “abandono” da vida, no caso de uma má formação do feto ou devido a uma violação. Apenas casos extrordinários como José César das Neves ou Zita Seabra, é que acham que a mulher não poderia, em nenhum caso, pôr fim a essas gravidezes, de uma forma cruel e atentatória da dignidade humana da mulher. Preferiam que uma mulher violada, contra a sua vontade, “ carregue” no seu corpo a memória de uma violação.
Agora, sem vergonha, Marques Mendes, Bagão Félix e Marcelo Rebelo de Sousa, esquecendo as suas responsabilidades governativas, querem distorcer a pergunta, confundir os que na tendencialmente, poderiam vir a votar Sim, dizendo que se o Não ganhar vão apresentar propostas de despenalização das mulheres. Mentira.
Mas Marques Mendes, Bagão Felix, Marcelo Rebelo de Sousa e outros, escondem o essencial; é que vai ser o resultado do referendo que vai ditar ou não a alteração do artigo 140 do código penal que pune com uma pena de três anos de cadeia e a nódoa de criminosas para toda a vida nos registos judiciais, a quem fizer um aborto, isso ninguém lhe tira.
Para alterar a lei só votando Sim.
O voto Não com esta esperteza saloia de que vão despenalizar o aborto, o que pretendem é mitigar, confundir, desmobilizar e vão continuar a considerar criminosas as mulheres que recorram ao aborto, vão continuar a empurrar as mulheres para a clandestinidade, com todas as consequências que daí recorrem.
Para quem está “preocupada” com a vida, querem atirar para debaixo do tapete o flagelo de mulheres que vão continuar silenciosas, “culpabilizadas”, solitárias, fazer o aborto sem acompanhamento, sem cuidados, inseguro e sem lhes ser dada a possibilidade de desabafar, de conversar, de colher aconselhamentos, de especialistas de técnicos de saúde.
Esta gente nunca pensou que o aborto é melhor combatido, dentro do sistema de saúde, com esclarecimento, com acompanhamento, com aconselhamento, apenas possível num quadro de legalização excepcional? O que esta gente não que é acabar com o aborto clandestino. O que esta gente não quer é que estas mulheres deixem de ser consideradas criminosas. O que esta gente quer é fazer caridadezinha, a essa classe de “sub humanos”, de “máquinas” de fazer filhos.
Tenham vergonha e usem argumentos sérios. O que é preciso saber é como o Não quer resolver o problema das mulheres grávidas que pretendem cessar a gravidez (não usem paliativos, são mulheres que não querem prosseguir uma gravidez e ponto final); como pretendem resolver o problema da clandestinidade do aborto, sem condições, sem segurança, sem acautelar a saúde da mulher.
Porque o aborto nunca irá acabar, legal ou clandestinamente, importa dar as melhores condições, para uma maternidade e paternidade consciente, responsável, escolhida, salvaguardando a dignidade da mulher, criando condições, objectivas, para que o aborto progressivamente diminua. É isto que está em causa! Mas claro para quem tem muito dinheiro basta ir aqui ao lado a Espanha e fazer um aborto. Já os mais pobres, os desfavorecidos da vida, esses são obrigados a abortar clandestinamente.