Os Abortos de alguns Não’s
Ontem estive presente em mais um debate sobre a despenalização do aborto, promovido pela Assembleia Municipal de Viana do Castelo. Quando vou a estes debates não vou a pensar encontrar argumentos que mudem a minha opinião inabalável no Sim, mas vou com a mente aberta, tentar perceber o que leva alguém a defender o Não, usando argumentos sérios, sem fanatismos, que me permitam perceber e respeitar quem pensa de maneira diferente.
Nos dois debates a que assisti e participei fiquei muito desiludido com a participação e os argumentos do Não. Azar meu concerteza, porque já ouvi e li, as maiores barbaridades, mas também, reconheço, li e ouvi posições respeitáveis, ancoradas numa cultura de vida, filosófica ou religiosa, que merecem da minha parte, tanto de compreensão como de discordância.
Ontem ouvi o pior do Não, a face mais extremista e mais intolerante. Não vale a pena cansar os leitores, com os argumentos recorrentes de que as mulheres são criminosas, que matam seres indefesos, mas ontem, foram mais longe, não só as mulheres que decidem interromper a gravidez são assassinas, assim com todas as letras, são egoístas que abortam por desporto, abortam por impulso, abortam para não ficarem com estrias, como também quem apoia as mulheres, quem apoia o Sim, são eles também, uns criminosos em potência, uns cúmplices da morte de pessoas humanas. Fiquei arrepiado e não consegui calar a minha revolta e indignação, tal como outros assistentes ao debate.
Aquela gente estava no debate errado. Eles queriam mais. Queriam o agravamento das penas, para dissuadir o crime. Queriam a pena máxima, como a que é aplicada a um qualquer cruel assassino. Não estou a inventar nada, isto foi dito de forma indirecta e algumas vezes de forma directa.
A defesa da vida, a protecção e aconselhamento das mulheres, não se faz na clandestinidade. Não se faz fora do sistema de saúde, sem apoios, sem segurança, às escondidas.
O que importa saber é como combater o aborto clandestino, como ajudar as mulheres na sua decisão, para uma maternidade e paternidade responsável, mas a isso não são capazes de responder com seriedade. Um casal tem o direito de planear a sua vida, para que os filhos que onde seguir-se, quando os pais desejarem e tiverem as condições que considerem adequadas, sejam criados com o carinho e o amor indispensável para um crescimento e um desenvolvimento harmonioso e assim lhes proporcionar uma vida com mais segurança e apoio.
Obrigar alguém a levar para a frente uma gravidez indesejada, uma gravidez inoportuna, extemporânea, ou oferecer-lhe um aborto clandestino e o rótulo de criminosa é de uma violência atroz, de uma desumanidade sem palavras. Ninguém de bom senso pode defender que a mulher merece ser castigada ou sequer a censura social. Todos nós, por experiência própria, por conhecimento de situações na nossa família, no rol de amigos ou dos amigos dos amigos, sabemos de mulheres que abortaram e a sociedade não foi à Polícia a correr denunciar essas pessoas. A sociedade civil não as considera criminosas, assassinas, ninguém é capaz de afirmar que por causa disso as mulheres são piores mulheres, piores mães.
Acabe-se com esta vergonha, para acabar com o aborto clandestino e para diminuir o número de abortos e para finalmente ajudar as famílias, a ter um acesso, sem vergonha, sem temores, livremente, a centros de apoio e aconselhamento, e os jovens a ter acesso a uma educação sexual sem preconceitos e sem tabus, morais ou religiosos, desde a mais tenra idade.
Apenas votando no Sim as coisas podem mudar.
(publicado em Fevereiro 6, 2007)