saudades
Ainda não se falava em prémios de desempenho, de mérito, em prémios de assiduidade, em produtividade, competência, esses palavrões. Falava-se em ser um bom trabalhador, um bom profissional, em camaradagem, em respeitar os "assinantes".
Levávamos o telefone numa mão e a caixa de ferramentas e o cabo telefónico na outra. Recebiam-nos com muita solenidade. Em algumas aldeias, havia foguetes e música a ecoar pelos ares. O primeiro toque do telefone, as primeiras falas, eram um momento inesquecível para aquela gente afastada dos grandes centros. Depois era a mesa farta. O vinho da adega, a broa, o chouriço, o presunto, e durante uns largos minutos, o convívio em volta da mesa. Era assim em todas as casas. Não podíamos recusar a oferta. Podíamos já estar bem bebidos e melhor comidos. Tinha de ser: nem que fosse mais um gole e fazer de conta que comíamos. Na despedida, o cumprimento de mão, disfarçava a gorjeta como agradecimento. Bons tempos.
Também por essa altura as negociações dos contratos colectivos de trabalho eram fortes e determinadas. A greve implicava a ocupação do local de trabalho. Fazíamos piquetes, noite e dia. À noite levávamos uma televisão e umas cartas para jogar. Eram greves a sério, não em série. Toda a gente fazia greve. E não era por imposição, não! As greves eram decididas em plenários regionais. A participação era enorme. Na altura era delegado de grupo. Cada grupo tinha um representante na delegação sindical. Havia opiniões divergentes, mas naquela ocasião era impensável não aceitar a vontade da maioria. Ninguém era impedido de trabalhar, mas quem comparecesse ao trabalho, não era muito bem visto. Às vezes havia exageros.
Por essa altura uma greve em 1989 trouxe uma grande vitória. A reivindicação de um aumento igual para todos tinha sido conseguida. Mil e cem escudos por trabalhador. A notícia veio por telex. Como vinham todas as notícias sobre o desenrolar das negociações. Sinto alguma nostalgia.
5 de setembro de 2008 às 20:07
Fernando, hoje escrevi um post sobre os dias de hoje de membro de uma Comissão de Trabalhadores numa empresa de hoje. Fi-lo na sequência de um outro post com uma notícia trágica de um suicidio de um trabalhador despedido da SIBS.
O teu post também me trouxe uma enorme nostalgia.Nestes momentos apetece-me ser efectivamente radical, esquecer o politicamente correcto e escrever: a gente tinha a obrigação de ter sabido aproveitar os tempos e evitar isto.
Fim de politicamente incorrento e radical: tempos duros, estes. Que bom ainda podermos guardar a memória desses.
5 de setembro de 2008 às 21:09
Bons tempos esses Fernando...
Bjos
6 de setembro de 2008 às 17:44
Isabel: o suicídio desse trabalhador prova quanto trágico pode ser um despedimento e é hoje a pressão sobre os trabalhadores nestes tempos "modernos" de "negócios, consumismos e competição". Ser membro de uma organizações de trabalhadores, sério e dedicado aos interesses da dignidade e dos direitos dos trabalhadores é uma tarefa desgastante e de certo modo "inglório". Mas felizmente há sempre alguém que resiste...
6 de setembro de 2008 às 17:45
Helena: sem dúvida nenhuma. tudo mais puro.