Querer ganhar na secretaria
Antecipando um cenário de uma vitória do Sim no referendo questionei a legitimidade dos perdedores invocarem a figura do carácter vinculativo, para colocarem em causa, a expressão política do resultado. Sabia que seria assim. O título do meu artigo era elucidativo. O NÃO à despenalização do aborto vai ganhar …perdendo? Não deve! Não podia ser mais certeiro na análise.
Logo na noite das eleições, os apoiantes do Não, disseram que o resultado não é vinculativo, pretendendo condicionar e tirar partido de uma lei desajustada. São pouco sérios. Parecem esquecer-se que o resultado do primeiro referendo, também não foi vinculativo e que apesar de haver uma maioria de votos favoráveis a uma alteração no parlamento, os partidos favoráveis à alteração, não quiseram alterar a lei, com excepção do PCP, em nome do respeito politico pela decisão maioritária dos eleitores.
Tinham razão o PS e o Bloco de Esquerda ao defenderem um novo referendo. A decisão votada pelos cidadãos dá mais força à lei e “impede” uma alteração no parlamento se a correlação de forças se alterar no futuro. E diviso mesmo com grandes dificuldades uma nova proposta de referendo sobre o aborto depois de um voto de despenalização. Conseguem imaginar a nova pergunta? “Concorda que seja penalizado o aborto que foi despenalizado no referendo anterior”. Não me parece que tal se vislumbre a curto ou médio prazo. A despenalização veio para ficar!
Posto isto, continuo a defender alterações na lei do referendo. Defendo que continue a valer um carácter vinculativo, mas de valor inferior, à volta dos 30 por cento. O referendo assume uma forma de democracia participada. Com o referendo estamos a dar indicações concretas sobre questões muito concretas. Não estamos a passar a responsabilidade para os outros. Estamos nós a decidir e isso acrescenta qualidade à democracia. Mas colocar a fasquia a 50 por cento em vez de apelar à participação, desincentiva e favorece a situação vigente. Quem não deseja uma alteração está em vantagem posicional. Ganha de três formas: a) não havendo a participação vinculativa b) ganha mesmo ganhando quem pretende alterar, desde que não tenha os 50 por cento c) ganha tendo a maioria de votos, sendo ou não o resultado vinculativo. Não é justo e cria muitas dificuldades à mudança.
Em nome do instituto do referendo, da democracia participada, deve ser promovido a alteração da lei, baixando o patamar de exigência de participação. Não concordo com algumas posições que defendem ou o fim do referendo ou a maioria simples. No primeiro caso estaríamos a deixar cair um instrumento de participação qualificada, no segundo caso a desvalorizar a importância do resultado do referendo para promover mudanças consistentes e duradoiras.
(publicado em Fevereiro 12, 2007)