Sim concordo!  

Eu ouço, leio e não percebo. Parece que alguns deputados, figuras (ou figurões) como Marcelo Rebelo de Sousa, Paulo Portas, Zita Seabra que sempre estiveram e continuam a estar contra a despenalização do aborto, (que vai ser sujeito a referendo em Janeiro) pretendem agora, despenalizar as mulheres que fazem o aborto!!? Não percebo mesmo… afinal querem ou não criminalizar as mulheres que interrompam a gravidez? Não é contraditório querer despenalizar o “crime” mantendo na lei que é “crime”? E um crime tem de ser penalizado ou não? A pergunta é clara e concreta:

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?


Santa hipocrisia!

Afirmam-se contra o aborto, apelam ao voto NÃO mas na prática pretendem um SIM. Isto é a despenalização do aborto. Que fique claro; dizer NÃO à pergunta sujeita a referendo, é dizer que pretendem a penalização, não é dizer o contrário. É dizer que querem os julgamentos, a prisão das mulheres, o aborto clandestino. Não sendo assim, apenas terão de votar SIM no referendo. A pergunta é muito claro para deixar dúvidas.

Uma resposta SIM, permite às mulheres, até às 10 semanas, interromper a gravidez, em condições de segurança, com apoio médico e num estabelecimento de saúde. Permite até, eventualmente, reverter a decisão de um aborto, por aconselhamento especializado.

Uma resposta NÃO, não vai impedir as mulheres de abortar. Apenas as criminaliza. As mulheres, tal como agora, continuarão a fazer o aborto em condições desumanas, sem apoio médico e psicológico, pondo em causa a sua própria vida, arriscando-se ir a julgamentos humilhantes e a uma condenação.

É esta é a questão central. Ninguém faz o aborto por deleite, por ser um infanticida, ou mesmo por desconhecimento dos métodos contraceptivos. Ou como método contraceptivo. Não inventem. A decisão de interromper a gravidez é tão dolorosa, tão marcante psicologicamente, que só por crueldade ou preconceitos morais absurdos, poderá alguém no seu juízo perfeito, pensar nessas possibilidades.

Quem tomou a decisão de interromper a gravidez acabará por fazê-lo, independentemente da lei prever a criminalização desse acto. Sempre foi assim e vai continuar a ser.

O problema é outro. Não se deve obrigar uma mulher a deixar nascer uma criança indesejada. Uma criança não amada. Uma criança para ser deixada ao abandono ou para ser entregue para adopção. O nascimento de uma criança é um acto sublime. A concepção desejada, pensada, no tempo certo, em condições socio-económicas e psicológicas adequadas, é uma criança amada antes de nascer. Atirar para o mundo uma criança, porque falharam os métodos contraceptivos, por descuido, ou por irresponsabilidade, isso sim é que um crime.

Um NÃO, não resolve o problema do aborto. Não dá segurança, tranquilidade, não evita o aborto clandestino. Um SIM, com acompanhamento médico, acompanhamento psicológico, feito em condições de higiene e salubridade, “protege” a mulher e pode ainda fazer, se for o caso, reverter a decisão de abortar.

Tudo o que fuja disto é contraproducente. As campanhas nojentas de alguns dos defensores do NÃO, mostrando imagens de fetos, de algumas semanas, recorrendo ao horror, apelidando de criminosos os defensores do SIM, são insuportáveis e revelam má consciência. Porque para serem consequentes, deviam serem em todas as condições contra o aborto, mesmo as que hoje são aceites na lei, como por má deformação, por violação, etc.

Seria bom que a discussão sobre este assunto se colocasse no plano concreto da pergunta.

Sim, porque é possível fazer um aborto por amor.

(publicado em Setembro 30, 2006)